Eu era poesia e ele não sabia ler
Eu apostava mais na doçura que na amargura, e tinha uma fé inabalável de que, mesmo que meu caminho estivesse mais nublado que ensolarado, Deus sussurrava em meu ouvido: “Não desista, menina!
Eu sabia que havia diferença entre os finais felizes e os finais necessários, mas ainda assim insistia em acreditar que, do meu jeito torto, devagar, e cheio de ilusões, era capaz de modificar a realidade e enxergar felicidade nas circunstâncias miúdas, muitas vezes esquecidas e despercebidas.
Eu não fingia ser assim. Nem tampouco me esforçava. Tinha nascido poesia, e me encantava com pequenos galanteios, letras de música falando de saudade, versos de Caio Fernando Abreu num livro antigo e cheiro de café numa livraria charmosa. Não sabia guardar rancor, esforçava-me para me desapegar daqueles que me rejeitavam e rascunhava sonhos num caderno doado. Eu me acostumei a ser poesia, a enxergar poemas, a extrair delicadezas, a desejar gentilezas. E acabei calculando errado. Na minha mente tão congestionada, permiti que ele, tão frio e errado, ali fizesse morada. Dentro do meu coração generoso, não cabiam dúvidas e divagações.
E por isso eu insistia em ver nele, versos que ele nunca soube ler. Eu teimava em ouvir dele poemas que ele nunca quis recitar.
Eu esperava dele danças que ele nunca ousou me convidar para dançar. Eu dançava sozinha, escutando em meu ouvido canções que eu jurava que ele havia composto para nós, mas era tudo fruto de minha imaginação, de meu encanto pela vida, de minha alma colecionadora de ilusões.
Um dia eu acordei e percebi que talvez a felicidade também tivesse a ver com pontos finais. Que estava na hora de guardar meu amor por dentro e direcionar meu afeto para mim mesma.
Iacoe Michaela
Enviado por Iacoe Michaela em 16/11/2018